Eu
entro no quarto, descalça e exausta. O corpo está lento. A cabeça pesada. A
saúde regular. O pensamento confuso. Minhas cortinas laranjas translúcidas vão
cedendo ao sopro do vento, desenhando as sombras nas paredes e enfeitiçando
minha concentração. Eu não quero deixa-las para trás. Sento na cama e quero
tocá-las, porque quero sê-las. Mergulhar no tecido. Contorcer meu corpo em
todas suas dobras. Me contorcer em todas direções. Me contorcer em todos os
sentidos. O movimento me atrai porque ele é como fumaça. Eu sou fumaça. Eu não
sou algo que está e permanece. Eu aconteço e logo não estou mais. Minhas
cortinas de pano fino são assim como eu, tão volúveis como eu. Basta um sopro e
elas se entregam. Elas rastejam pela janela. Alçam voo pelo quarto, no mais
longe que sua extensão as permite. Mas nem sempre isso me encanta. Às vezes eu
só as quero como estão agora; amenas. Existe nelas uma notável impaciência, mas
não sei dizer se esta é obra do vento ou delas. Exatamente o que me falta
entender em mim mesma. Estendo o braço. Meu primeiro instinto seria agarrá-las.
Eu as leio e entendo quem elas são no momento. Meu instinto não cabe ali. Eu
apenas estendo o braço e deixo que elas me toquem. Elas movem, indiferentes,
como se sua dança não fosse para mim. Eu posso esperar. Eu fito o movimento.
Aguardo a minha vez. Ao fundo uma nova onda vem caminhando em minha direção e
ela se aproxima contorcendo seu pano com elegância. Ela chega mais perto. Mais
perto. Mais perto. Quase avanço e encurto a espera. Refleti. O tempo passou por
mim tomando a decisão que eu não soube tomar. Nós nos tocamos. Encostamos uma
na outra. Ela desliza sua pele na minha com a clara intenção de anunciar a
minha posse. Mal algum me traz decifrar a sua malícia. Contenta-me decifrá-la. Não
é uma cortina o que me toca. É o vento, em mim.
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